Tanto a literatura recente quanto nossa experiência prática tem mostrado, cada vez mais, que o diagnóstico e o início da intervenção precoces (antes dos 3 anos de idade) contribui imensamente para um bom prognóstico no tratamento dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Quando recebemos uma criança com menos de 2 anos de idade para início da intervenção, normalmente ela não tem diagnóstico fechado, pois os médicos ainda resistem em fechar um diagnóstico tão precocemente, a maioria ainda espera, pelo menos, até 3 anos de idade para fechar o diagnóstico. A boa notícia é que, pelo menos, mesmo sem fechar diagnóstico, os médicos estão, cada vez mais, encaminhando os pacientes com algum atraso no desenvolvimento para início da intervenção fonoaudiológica, comportamental e para uma inclusão escolar. Afinal, independente do diagnóstico, estimulação precoce sempre será indicado.
A intervenção precoce torna a estimulação muito mais fácil e eficaz, já que comportamentos inadequados, que foram adquiridos para substituir os comportamentos adequados que não foram aprendidos no momento correto, ainda não estão cristalizados, ainda não foram tão reforçados a ponto de dificultar uma extinção ou, até, nem foram aprendidos ainda. Por exemplo, uma criança com 2 anos de idade que não fala pode estar prestes a começar a usar birras, agressões e auto lesões como forma de comunicação. Mas o início da intervenção precoce nos dá a chance de ensinar uma forma de comunicação funcional alternativa (por troca de figuras, por exemplo) ou treinar os operantes verbais vocais antes que tais comportamentos inadequados se instalem ou, se já estão instalados, antes que se fortaleçam com reforçamentos sucessivos. Já uma criança com 6 anos de idade que não fala, com certeza já desenvolveu outra forma de comunicação e, na maior parte das vezes, isso se dá com comportamentos inadequados (birras, agressões e auto lesões). Aos 6 anos de idade, estes comportamentos já estão há muito tempo sendo emitidos e sendo reforçados, o que os torna muito mais fortes e resistentes à extinção. Por isso, uma intervenção que se inicia nesta idade é muito mais difícil.
Assim, é fundamental que os pais, professores e, principalmente, os médicos identifiquem os sinais de risco precoce para Autismo e encaminhem a criança para intervenção o quanto antes, mesmo que ainda não tenham um diagnóstico fechado. A intervenção comportamental é voltada para o repertório comportamental inicial da criança, ou seja, avaliamos que comportamentos adequados ela já tem e precisamos fortalecer e aprimorar; que comportamentos ela ainda não adquiriu e estão fazendo falta em sua adaptação ao meio social e, por isso, precisamos instalar; e que comportamentos inadequados ela adquiriu, como substitutos para os comportamentos adequados não aprendidos, que precisam ser minimizados e, dentro do possível, extintos. Por isso, o diagnóstico não é imprescindível para o início da intervenção. Claro que o diagnóstico é importante e ajuda muito no andamento da intervenção, na tomada de decisões, mas na intervenção precoce ele não é fundamental, podemos começar uma intervenção completa e fundamental nos primeiros anos de vida da criança, mesmo sem um diagnóstico.
Tendo em vista a importância da identificação de sinais de risco precoce para início da intervenção o quanto antes, muitos estudos têm buscado identificar estes sinais de risco cada vez mais cedo no desenvolvimento infantil. Estudos prospectivos (Wetherby et al., 2004; Landa & Garrett-Mayer, 2006; Mitchell et al., 2006; Bryson et al., 2007; Gamliel et al., 2007; Landa, Holman & Garrett-Mayer, 2007; Wetherby et al., 2007; Yirmiya et al., 2007) apontaram que as crianças com Transtorno do Espectro do Autismo, entre 12 e 18 meses de idade, apresentam déficits nas seguintes áreas:
- Visual: atipicidade no escanear e fixar o olhar nos objetos. Isto significa que os bebês não fixam o olhar nos objetos de interesse da forma esperada.
- Motora: atraso nos movimentos amplos e finos; maneirismos; e diminuição da atividade motora. Desde muito cedo é possível observar movimentos repetitivos, tais como rodar objetos, balançar as mãos (flapping), andar nas pontas dos pés, etc.
- Brincar: atraso no imitar; exploração atípica dos brinquedos; e ações repetitivas com os brinquedos. Bebês com desenvolvimento típico já imitam movimentos e sons feitos pelo adulto com 1 ano de idade. O atraso nesta habilidade indica um risco a ser considerado. Bebês autistas manipulam os brinquedos de forma estranha, ao invés de utilizar com a função adequada, ou seja, ao invés de andar com um carrinho pelo chão, eles podem virar o carrinho de cabeça para baixo e apenas girar as rodinhas para observar este movimento, muitos até se deitam no chão para olhar as rodinhas rodando.
- Comunicação social: expressões e reações emocionais alteradas, isto é, alterações na troca de olhares, no interesse social, no responder ao chamado do nome e ao dividir emoções positivas. Bebês de 1 ano de idade que não intercalam o olhar entre objetos de interesse e os olhos do adulto (atenção compartilhada); não olham para a pessoa que chama seu nome; e não compartilham o prazer, ou seja, não levam algo que lhes interessou para mostrar para um adulto familiar e dividir com ele o prazer na brincadeira, estão claramente com atraso no desenvolvimento de habilidades sociais importantes, que formam os pilares para o desenvolvimento da linguagem.
- Linguagem: alterações no balbucio, na compreensão e expressão verbais e no uso de gestos comunicativos. As primeiras palavras do bebê devem aparecer entre 10 e 15 meses de vida no desenvolvimento típico. Antes disso os bebês já fazem gestos comunicativos, como apontar para o que desejam. O atraso no desenvolvimento destas habilidades é um fator de risco importante para o TEA.
- Desenvolvimento cognitivo: aquisição mais lenta de novas habilidades. Crianças com desenvolvimento típico aprendem coisas novas rapidamente, todos os dias ganham uma nova habilidade e bastam poucas tentativas de treino para novas aquisições. Crianças com TEA tendem a demorar mais para aprender coisas novas e exigem muitas tentativas de treino.
Quando os pais, professores ou pediatras perceberem estes sinais de atraso na criança, devem imediatamente encaminhar para uma avaliação com Psiquiatra Infantil ou Neuropediatra que são os profissionais mais capacitados para uma avaliação completa e, talvez, o fechamento do diagnóstico e encaminhamento para a intervenção terapêutica adequada.
Em nossa prática, é muito comum ouvir relatos de “regressão” no desenvolvimento da criança, ou seja, os pais contam que a criança estava se desenvolvendo normalmente e, a partir de mais ou menos 1 ano e meio, começou a parar de emitir comportamentos que já emitia (falar ou olhar nos olhos, por exemplo) e parou de aprender coisas novas. Estudos feitos com base em vídeos caseiros de crianças cujos pais relataram esta regressão mostraram que antes do diagnóstico a criança já apresentava os sinais de risco listados acima, mas os pais, professores e pediatras não se atentaram para isso, porque não têm o olhar treinado para identificar estes sinais. Quanto mais informados estiverem os médicos pediatras, professores e pais de crianças pequenas acerca dos sinais de risco, mais cedo vamos identificar estas crianças e mais cedo começaremos as intervenções, o que vai resultar em prognósticos cada vez melhores.
Estudos mais recentes (Bagaiolo, Gioia, Guilhardi & Romano, 2010; Bagaiolo, Gioia, Guilhardi & Romano, 2011) têm buscado listar sinais detectáveis de risco para TEA antes do 1º ano de vida. Estes estudos buscam desenvolver uma avaliação de risco confiável para esta faixa etária. Instrumentos como este desenvolvidos por este grupo de pesquisas são fundamentais para conseguirmos identificar crianças com risco para TEA cada vez mais cedo e iniciar intervenções cada vez mais precoces.
Referências bibliográficas:
Bagaiolo, L., Gioia, P. S., Guilhardi, C. & Romano, C. (2010). O desenvolvimento infantil sob a perspectiva da Análise do Comportamento: elementos para a compreensão do trabalho com autistas. In: M. M. C. Hübner, M. R. Garcia, P. R. Abreu, E. N. P. de Cillo & P. B. Faleiros (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: avanços recentes das aplicações comportamentais e cognitivas, 26, 309-320.
Bagaiolo, L., Gioia, P. S., Guilhardi, C. & Romano, C. (2011). Risco autístico em bebês: possibilidades de avaliação comportamental. In: Candido V. B. B. Pessoa, Carlos Eduardo Costa &Marcelo Frota Benvenuti (Orgs.), Comportamento em Foco, 1, 267-282.
Bryson, S. E., Zwaigenbaum, L., Brian, J., Roberts, W., Szatmari, P., Rombough, V. & McDermott, C. (2007). A prospective case series of high-risk infants who developed autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 37 (1), 12-24.
Gamliel, I., Yirmiya, N. & Sigman, M. (2007). The development of young siblings of children with autism from 4 to 54 months. Journal of Autism and Developmental Disorders, 37 (1), 171-183.
Landa, R. & Garrett-Mayer, E. (2006). Development in infants with autism spectrum disorders: a prospective study. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 47 (6), 629-638.
Landa, R. J., Holman, K. C., Garrett-Mayer, E. (2007). Social and communication development in toddlers with early and later diagnosis of autism spectrum disorders.Archives of General Psychiatry, 64 (7), 853-864.
Mitchell, S., Brian, J., Zwaigenbaum, L., Roberts, W., Szatmari, P., Smith, I. & Bryson, S. (2006). Early language and communication development of infants later diagnosed with autism spectrum disorder. Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics, 27 (2), 69-78.
Wetherby, A. M., Woods, J., Allen, L., Cleary, J., Dickison, H. & Lord, C. (2004). Early indicators of autism spectrum disorders in the second year of life. Journal of Autism and Developmental Disorders, 34(5), 473-493.
Wetherby, A. M., Watt, N., Morgan, L. & Shumway, S. (2007). Social communication profiles of children with autism spectrum disorders late in the second year of life.Journal of Autism and Developmental Disorders, 37 (5), 960-975.
Yirmiya, N., Gamliel, I., Shaked, M. & Sigman, M. (2007). Cognitive and verbal abilities of 24- to 36-month-old siblings of children with autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 37 (2), 218-229
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